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Presidente da Brasilcom conversou com o NovaCana sobre o programa de descarbonização, destacando a visão das distribuidoras regionais com relação às mudanças trazidas pela Lei dos CBios
NovaCana – Publicado: 31 Jul 2025 – 09:10
A chegada de punições mais rígidas para as distribuidoras de combustíveis no RenovaBio – onde elas são chamadas de “parte obrigada” – envolve, além de multas maiores, a responsabilização como crime ambiental e o bloqueio de comercialização.
O primeiro passo para colocar isso em prática aconteceu em 21 de julho, quando a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) publicou a primeira versão de uma lista com companhias já sancionadas e ainda inadimplentes com o programa. As multas aplicadas, que também foram descritas, variavam entre R$ 100 mil e R$ 33,37 milhões.
No levantamento inicial, 22 entradas foram tarjadas por conta de liminares judiciais; e mais companhias obtiveram decisões favoráveis nos dias seguintes. Além disso, uma semana após a publicação da lista, o deputado Tião Medeiros (PP-PR) pediu que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investigue o assunto.
As controvérsias em relação à nova penalidade já eram esperadas pelo mercado – e devem continuar a repercutir nos próximos meses. Por conta disso, o RenovaBio terá um espaço especial na Conferência NovaCana 2025, que acontecerá nos dias 15 e 16 de setembro, em São Paulo (SP).
Um dos palestrantes do painel “RenovaBio em ponto de inflexão: como maximizar valor e mitigar riscos” será o presidente da Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom), Abel Leitão. Atualmente, a entidade representa 45 associados.
Ao lado dele estarão: a líder sênior da rede de agro corporate do Santander, Caroline Perestrelo, e o diretor comercial da Alta Mogiana, Luiz Gustavo Junqueira. As discussões serão moderadas pelo sócio sênior da Mapa Capital, Manoel Pereira de Queiroz.
A programação completa da Conferência NovaCana 2025 já está disponível. Inscreva-se e garanta seu lugar.
Leitão é formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado em engenharia econômica pela mesma instituição. Ao longo de sua carreira, passou 25 anos na Shell antes de se tornar o fundador da Distribuidora Terrana, com atuação em seis estados.
O NovaCana conversou com Leitão, pouco depois da publicação da relação de distribuidoras inadimplentes pela ANP. Ele trouxe as visões sobre o programa e o mercado de CBios. A seguir, confira a entrevista completa.
Na Conferência NovaCana 2024, você defendeu uma revisão do RenovaBio, afirmando que os desvios e as assimetrias do programa traziam prejuízos às distribuidoras regionais. No final do ano passado, a Lei dos CBios trouxe novas penalidades para as companhias inadimplentes. Era essa a mudança esperada pelo setor?
Não. Eu acho que foi um retrocesso, foi insistir em um modelo que está falido, anacrônico. O RenovaBio tem essa lei pioneira, uma intenção, um mérito. Mas já tem já seis anos, merece e necessita de uma revisão. O programa já nasceu com várias assimetrias. A intenção é muito positiva, ninguém tira isso, mas não está atendendo ao objetivo na prática e é por isso que nós estamos reivindicando uma revisão urgente. O RenovaBio tem uma justificativa ambiental, mas ele se transformou em um programa simples de transferência de renda, privilegiando um setor econômico que já tem um empilhamento de subsídios, que é o setor de etanol e de cana, principalmente. Todos que produzem biocombustíveis têm direito a emitir CBios, mas o desenho original privilegia muito este setor, que está recebendo um subsídio da sociedade brasileira.
Poderia explicar o motivo de você não considerar que seja um programa ambiental?
Todos acham que o CBio é um título ambiental, um crédito de carbono. E não é. Quando a população abastece com gasolina, todos nós estamos pagando [pelo CBio] no preço do combustível, achando que estamos contribuindo para o meio ambiente, mas não estamos. O RenovaBio é uma transferência de renda. Existem gráficos que mostram isso, feitos pela própria EPE [Empresa de Pesquisa Energética], mostrando a rentabilidade das 20 principais usinas do setor sucroalcooleiro: a rentabilidade dispara quando você passa a receber CBios. Quero dizer que esse benefício não foi para o meio ambiente, foi apenas para os acionistas dessas empresas. A EPE parou de produzir [este estudo] por pressão econômica, pois esse grupo tem um forte poder econômico. Essa tem sido a realidade.
“É uma vergonha que a sociedade esteja patrocinando um setor econômico sobre a desculpa de que é para o ambiente. A sociedade toda está pagando pela obrigatoriedade da mistura e pelos CBios”, Abel Leitão (Brasilcom)
No evento do ano passado, você também trouxe a visão de que o CBio não seria um crédito de carbono.
Não é nem uma visão, é um fato. O CBio não é um crédito carbono; ele não é intercambiável no mercado de carbono. Acabaram de aprovar no Congresso a lei do mercado de carbono no Brasil e o CBio não se encaixa. Dizem que [o RenovaBio] é o maior programa [de descarbonização]. Ele é o maior porque é mandatório e está na base da sociedade, que é [o setor de] combustível. Então, já nasce grande, mas não participa do mercado de carbono porque o CBio não é um título de carbono.
O que seria necessário para que o CBio fosse considerado um crédito de carbono?
O primeiro requisito é o princípio da adicionalidade. Você só pode emitir o título de carbono para algum produto, ou ação, que está retirando uma tonelada de CO2 da atmosfera. Então, como é possível premiar, por exemplo, o etanol? Esse biocombustível já tem 50 anos, não é algo novo. Claro, o volume que você vende de hidratado poderia ser considerado uma adicionalidade, e poderia emitir. Mas o programa não cumpre o critério de adicionalidade. Ele também não cumpre o princípio de “quem mais polui, mais paga”. Quando você olha a cadeia clássica de petróleo, é óbvio que quem mais gera pegada de carbono é a refinaria. A fase industrial tem a maior pegada de carbono. Em todos os países do mundo, esse é o elo da cadeia que paga o custo da pegada ambiental, que se chama crédito de carbono. No Brasil, inverteram essa ordem. Quem paga o custo da pegada do combustível fóssil é o elo da cadeia que menos polui, que é a distribuição, que é um elo logístico. Não tem sentido, não está respeitando o princípio que foi estabelecido na COP do Rio de Janeiro.
“Se você chegar para a Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente] e perguntar o que o meio ambiente ganhou com o RenovaBio? Não tenho nem ideia, mas acho que foi zero a participação”, Abel Leitão (Brasilcom)
Um terceiro ponto é que a comercialização do CBio é uma vergonha. É dito que é feita na B3, mas não tem nenhuma transparência, não tem rastreabilidade. Há uma manipulação dos bancos e das corretoras, que compram e vendem títulos. Não há fiscalização do governo, a CVM [Comissão de Valores Imobiliários] não supervisiona e o Banco Central também não. Então, o princípio da transparência não existe. O quarto princípio, que também não é respeitado, é a prestação de contas à sociedade. Já foram pagos mais de R$ 25 bilhões em CBios. Você já viu o uso desse dinheiro em favor do meio ambiente?
Então você acredita que o programa pode funcionar dentro de seu objetivo com alterações, como a mudança da parte obrigada?
É preciso transformar o CBio em um crédito carbono de fato, seguindo as regras. E eliminar essa concorrência assimétrica que está acontecendo, que também atende a outros interesses de concentração de mercado. Ao eliminar a concorrência das pequenas distribuidoras, o mercado se concentra nas grandes. Vamos dizer de boa-fé que esse é um efeito colateral do programa: a concentração de mercado no setor de indústria. Nós temos, hoje, uma associada em recuperação judicial porque o RenovaBio asfixia financeiramente as empresas; as distribuidoras estão começando a quebrar. É um genocídio da concorrência – a palavra é forte, mas é isso o que está acontecendo. O acirramento das penalidades nada mais é do que os interesses econômicos de manter esse processo de transferência de renda e concentração de mercado nas três grandes distribuidoras, eliminando a concorrência das pequenas.
A ANP publicou a lista de distribuidoras inadimplentes com o programa e que devem ser impedidas de comercializar combustíveis. Qual é a visão da Brasilcom sobre essa medida, que foi adotada de uma forma mais agilizada pela agência?
Chama atenção essa retroatividade da lei, que é inconstitucional. Você não faz uma lei hoje para punir ações do passado. Isso já é uma distorção. Mas preciso fazer um aviso importante. A Brasilcom comenta a mudança do programa e as regras conceitualmente, mas nós não recomendamos ou censuramos as ações de cada associado. Então, se um associado quer ter liminar, ele terá e vai deixar de pagar os CBios. Isso também vale se ele quer aumentar ou abaixar o preço, enfim, fazer qualquer ação comercial. Nós não participamos disso. Nós temos 45 associados e sete grupos não pagam CBios, mas estão amparados pela lei. Então, eu não tenho nenhum caso que deixou de pagar sem estar amparado pela justiça. Desses, alguns já têm decisão tramitada e julgada. Quando você conta sobre essas assimetrias do programa a um juiz, imediatamente ele dá uma liminar ou uma sentença favorável porque é gritante essa “armação” que existe usando o meio ambiente como bandeira. No fundo, o RenovaBio só está transferindo interesses econômicos para um setor e, de quebra, aniquilando a concorrência.
Para você, a lista traz prejuízos concorrenciais para as distribuidoras?
Tem uma empresa que está dos dois lados do balcão. Ela é tanto produtora de CBio quanto distribuidora. É um conflito de interesse absurdo, ela ganha dos dois lados. Esse programa precisa ser revisto urgentemente. Sobre as liminares, o nosso comentário é o seguinte: Ordem judicial tem que ser cumprida. Não pode haver lista com empresas que estão amparadas por ordem judicial, seja liminares ou decisão em primeira instância. Isso é um absurdo, isso é subversão. Eu vi vários repórteres repetindo “eles estão se escudando em liminares”, mas eles estão errados, estão pregando a desordem e a não obediência à ordem judicial.
Então, você acredita que a lista é uma penalidade injusta?
Publicar uma lista do tipo “olha, aquele cara não está pagando CBios, tem liminar” é um crime porque causa um dano muito grande à reputação da empresa. E nada é por acaso. Essa radicalização só interessa para concentrar o mercado, eliminar concorrência. E por quê? Porque as distribuidoras quebram cartéis e monopólios. As distribuidoras regionais atendem às bandeiras brancas, que são os postos que promovem os preços mais baixos no mercado, e dão liberdade ao revendedor de ter uma opção de fornecimento. É isso que está incomodando as grandes; é só ver a rentabilidade delas no preço mensal. Eles têm a bandeira de que são os bonzinhos e os outros são sonegadores. A última vez que o Brasil fez uma lista como essa foi para o trabalho escravo. Olha a que nível estamos sendo comparados. Você está condenando várias distribuidoras a uma lista de um programa que é uma farsa, que está transferindo renda e dizendo que é para o meio ambiente. Tem ações da justiça, tem até uma ou duas ADINs [ações diretas de inconstitucionalidade] sendo discutidas no Supremo.
Algumas entidades apontam que a inadimplência do RenovaBio poderia causar problemas concorrenciais, alegando que as distribuidoras que não compram CBios podem repassar um combustível mais barato aos consumidores. Você concorda com esse posicionamento?
O argumento vai e volta. A assimetria concorrencial já nasce com o programa, colocando as distribuidoras regionais em desvantagem competitiva. Em segundo lugar, [a distribuidora] que deixa de pagar [os CBios] e está na justiça, com liminar ou decisão, depositou uma quantia em juízo. Então, quem frauda são aquelas que já sonegam ICMS e PIS/Cofins e que vão sonegar CBios. Infelizmente, há várias dessas distribuidoras no mercado e elas devem ser, obviamente, cassadas – não só pelos CBios, mas pela sonegação dos outros impostos e por outras irregularidades. Agora, isso não vale para quem está na justiça, quem está depositando em juízo, quem está discutindo o tema e se defendendo. Vemos empresas sérias que estão quebrando. Outra incoerência das grandes [distribuidoras] é dizerem que o ICMS tem de ser recolhido, ad rem e monofásico, na refinaria para evitar a sonegação. Então, hoje, o recolhimento do PIS/Cofins passou para a refinaria. Por que a mesma lógica não vale para os CBios?
Você fala em assimetria. Mas não há o repasse deste custo para o preço dos combustíveis?
As distribuidoras regionais não têm a capacidade de passar esse custo, que para elas é muito relevante, da mesma forma como as nacionais, que tem uma grande parte da sua rede contratada e podem colocar no preço. As regionais não conseguem repassar esse custo porque a maior parcela da sua venda é feita para [postos] bandeira branca, que vendem mais barato em todo o território, o que provoca uma concorrência saudável. É essa armadilha que leva esse programa a uma concorrência assimétrica. Ele afeta de maneira diferenciada a grande distribuidora e a regional.
Na Lei dos CBios também estão previstas outras penalidades, como aumento de multa para um teto de R$ 500 milhões e a definição como crime ambiental. Essas novas punições tendem a diminuir as taxas de inadimplência do programa?
Eu acho que não. As distribuidoras picaretas não vão pagar, vão continuar sonegando da mesma forma. São companhia que não têm nem liminar e nem estão na justiça; elas estão simplesmente fazendo um ciclo que chamamos de “barriga de aluguel”, atuando até a empresa estourar em dívidas e entrar em falência apenas para abrir outra no dia seguinte. Existe um grupo de empresas que não são sérias, que aplicam esses golpes e que vão continuar aplicando. A multa e toda essa dificuldade só vai afetar a distribuição honesta. Para você ter uma ideia, na “lista suja” tem mais de 20 distribuidoras que não têm liminar da justiça. Essas não estão sonegando apenas os CBios, mas também impostos de combustíveis, que é um valor muito maior. O impacto do CBio é entre R$ 0,05/L e R$ 0,06/L, enquanto o PIS/Cofins e o ICMS impactam quase R$ 1/L. A diferença é muito grande.
Em relação ao valor monetário da multa, foi um aumento considerável.
Eu não conheço nenhum setor que tem uma multa de R$ 500 milhões. Isso é uma coisa absurda. Isso, para mim, é a confirmação da força do lobby desesperado e a fragilidade do governo, vamos dizer assim, em ceder. Os valores são maiores que o capital social de boa parte das empresas. Isso acaba com companhias pequenas. Com uma multa dessas, você elimina todas as distribuidoras regionais; só não elimina as grandes.
A meta do RenovaBio para 2025 é de 49,36 milhões de títulos e, até a primeira quinzena de julho, as distribuidoras aposentaram 23,4% da meta. Embora o movimento tenda a aumentar neste segundo semestre, como você avalia que será a taxa de atendimento ao programa?
Não sei te dizer. Acho que não vai mudar muita coisa. Quem está discutindo na justiça vai continuar e manter os depósitos em juízo. Mas não vejo grandes impactos. O bandido já tem uma resposta para essas medidas. Ele vai driblar toda essa situação. E quem está hoje na justiça, convicto da sua tese, depositando em juízo, obviamente vai continuar fazendo e não tem outra opção, senão ele quebra, como aconteceu com um associado nosso no mês passado. Não antevejo grandes alterações nesse fluxo.
Esta e outras discussões a respeito do RenovaBio e suas últimas mudanças acontecerão na Conferência NovaCana 2025. Confira a programação completa no site do evento.
Giully Regina – NovaCana