
Por Monica Piccinini da Cenarium Amazon Agency
O esforço do Brasil para expandir os biocombustíveis é essencial para sua estratégia de “impulsionar a agenda de descarbonização” e construir uma “bioeconomia” robusta, preparando o cenário para que isso se torne um foco importante na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) no Brasil em novembro de 2025.
Durante cerimônia na Base Aérea de Brasília, em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou:
“O Brasil liderará a revolução energética mundial”
A declaração veio ao assinar a Lei do Combustível do Futuro, um conjunto de iniciativas que visam avançar o setor de bioenergia do país. o presidente Lula acrescentou:
“O Brasil vai sair na frente porque vocês, empreendedores, que têm capacidade de produzir, de pesquisar. Promulgar essa lei demonstra que nenhum de nós tem o direito de continuar desacreditando que esse país pode ser uma grande economia.”
Lula anunciou um aumento na mistura de etanol à gasolina de 22% para 27%, com meta de 35% até 2030. A mistura de biodiesel, atualmente em 14%, aumentará em um ponto percentual ao ano, com meta de atingir 20% até março de 2030.
Os mandatos de biocombustíveis geraram uma demanda implacável por culturas, incluindo cana-de-açúcar, milho, soja e óleo de palma.
A produção de etanol e biodiesel no Brasil atingiu quase 43 bilhões de litros em 2023, de acordo com o Anuário Estatístico Brasileiro de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de 2024, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ( ANP ).
No Brasil, os biocombustíveis compõem 25% dos combustíveis de transporte – uma parcela notavelmente alta em comparação a outras nações – e essa proporção ainda está aumentando. O bioetanol lidera o setor de biocombustíveis, representando uma média de 49% em termos de energia do consumo total de gasolina e etanol.
Jorge Ernesto Rodriguez Morales , professor e pesquisador em política ambiental e governança de mudanças climáticas no Departamento de História Econômica e Relações Internacionais da Universidade de Estocolmo, mencionou:
“Historicamente, a política energética brasileira alcançou sucesso significativo, em grande parte devido ao desenvolvimento da indústria do petróleo juntamente com biocombustíveis e outras fontes de energia. Essa diversificação permitiu que o Brasil dependesse menos de importações de energia do mercado global, promovendo um grau de independência energética e segurança crítica para a estabilidade econômica.
“Ao reduzir a dependência de fontes externas de energia, a economia brasileira fica menos vulnerável a choques externos, como flutuações nos preços do petróleo e do gás. O etanol de cana-de-açúcar, em particular, tem sido essencial nesses desenvolvimentos, posicionando a bioenergia – uma forma de energia renovável derivada de materiais orgânicos recentemente vivos conhecidos como biomassa – na vanguarda das estratégias nacionais para combater as mudanças climáticas”, ele acrescentou.
Brilho verde
Embora a bioenergia tenha sido promovida como uma estratégia climática, há um debate em andamento na comunidade científica sobre a real sustentabilidade da produção de biocombustíveis.
Alguns cientistas argumentam que a produção de biocombustíveis é um processo negativo em energia que pode levar a várias consequências socioambientais. Isso inclui o aumento dos preços dos alimentos que ameaçam a segurança alimentar e a conversão de florestas para o cultivo de biocombustíveis. Alguns afirmam que apresentar a bioenergia como uma estratégia climática serviu como justificativa para a expansão da indústria no Brasil e no mundo.
“Apesar do seu sucesso, a indústria de biocombustíveis no Brasil se desenvolveu dentro de objetivos mais amplos de desenvolvimento e segurança territorial, muitas vezes colocando pressão significativa sobre ecossistemas e comunidades em um ambiente institucional que geralmente ignorava as preocupações socioambientais.
“Essa coevolução insustentável de caminhos de desenvolvimento e bioenergia – marcada pelo desmatamento, colonização de terras e expansão agrícola – limitou o espaço de adaptação na agricultura. Como resultado, a política climática atual é amplamente orientada para estratégias dependentes de caminho e potencialmente mal-adaptativas, como depender do etanol de cana-de-açúcar para transporte”, explicou Morales .
Um relatório da Royal Society levanta preocupações sobre a expansão da produção de biocombustíveis, destacando questões como o impacto nos preços dos alimentos, o aumento potencial nas emissões de gases de efeito estufa devido a mudanças diretas e indiretas no uso da terra (LUC) associadas à produção de matéria-prima para biocombustíveis e os riscos de degradação da terra, das florestas, dos recursos hídricos e dos ecossistemas.
O relatório da Royal Society recomenda auditoria abrangente das cadeias de fornecimento de biocombustíveis como essencial, juntamente com o aumento da transparência, disponibilidade de dados e compartilhamento. Esses elementos são cruciais para garantir que a avaliação do ciclo de vida (ACV) dos biocombustíveis seja confiável e benéfica para a formulação de políticas.
O uso de matérias-primas como cana-de-açúcar, óleo de palma, milho e soja — predominantes no Brasil — gerou controvérsia significativa, principalmente devido à competição com a produção de alimentos e preocupações sobre a conversão de terras agrícolas em produção de combustível. A crescente demanda por produtos agrícolas representa um risco de aumento do desmatamento e do uso de terras com alto valor de biodiversidade para satisfazer essa demanda, juntamente com o consumo de água doce relacionado.
O Regulamento Livre de Desmatamento da UE (EUDR) identifica a soja como um dos principais impulsionadores do desmatamento no mundo. Os interesses comerciais parecem ser a principal barreira para remover os biocombustíveis de soja da Diretiva de Energia Renovável, já que a Europa importa quase 90% de sua soja para produção de biodiesel do Brasil, Argentina e Estados Unidos.
O Dr David Pimentel, professor de ecologia e ciências agrícolas na Universidade Cornell, afirmou que não há terra, água e energia suficientes disponíveis para a produção de biocombustíveis. Ele também destacou questões ambientais associadas à conversão de safras em biocombustíveis, como poluição da água por fertilizantes e pesticidas, poluição do ar, erosão do solo e contribuições para o aquecimento global.
Pimentel conduziu cálculos que contabilizaram todos os insumos necessários para produzir etanol, incluindo maquinário, sementes, mão de obra, água, eletricidade, fertilizantes, inseticidas, herbicidas, combustível, secagem e transporte. Ele descobriu que produzir um litro de etanol de grau combustível (5.130 kcal) requer um insumo energético de 6.600 kcal, indicando que a produção de biocombustível é um processo de energia negativa .
Um relatório publicado no periódico Biofuel afirma que a medição de emissões de gases de efeito estufa ligadas ao combustível etanol deve contabilizar as emissões em todos os estágios, incluindo produção, processamento, distribuição e uso de veículos. Essa avaliação abrangente é conhecida como as principais emissões de LCA do poço às rodas, juntamente com quaisquer emissões adicionais resultantes de LUC.
Morales discutiu alguns dos impactos da implementação de uma política climática que depende de combustíveis de biomassa:
“A política climática atual posiciona os combustíveis baseados em biomassa como um substituto para combustíveis fósseis no setor de transporte, com o etanol de cana-de-açúcar como uma solução emblemática para a redução de gases de efeito estufa nas negociações climáticas internacionais. No entanto, aumentar a produção de bioenergia pode ter sérios impactos socioambientais.
“Assim como a produção de alimentos, o etanol requer terra, água e nutrientes, o que significa que uma expansão em larga escala pode intensificar os efeitos colaterais negativos do crescimento agrícola. Isso inclui desafios socioambientais significativos relacionados a objetivos de desenvolvimento sustentável, como desmatamento (ODS 15), emissões de CO2 por mudança no uso da terra (ODS 13), perdas de nitrogênio (ODS 13, 14, 15), retiradas insustentáveis de água (ODS 14) e riscos à segurança alimentar (ODS 2), entre outros”, ele acrescentou.
Políticas de Biocombustíveis
Durante o período colonial do Brasil (1500-1822), as plantações de cana-de-açúcar estabeleceram a base para o poder político por meio do monopólio da terra e da escravidão. Políticas foram implementadas para promover os interesses econômicos do setor do agronegócio.
Em resposta à crise energética e açucareira dos anos 70, o Brasil lançou um programa nacional de etanol chamado “Pró-Álcool” em 1975. Essa iniciativa incluía incentivos fiscais, subsídios e menores custos de financiamento para beneficiar a indústria da cana-de-açúcar, incluindo produtores, plantadores, destiladores e o setor automotivo.
A política “Pró-Álcool” levou a repercussões significativas, como a exploração de trabalhadores ( bóias-frias ) e a degradação ambiental, que o governo brasileiro negligenciou por preocupação de que as regulamentações ambientais pudessem prejudicar o crescimento e o desenvolvimento econômico.
De 1992 a 2004, enquanto as emissões totais de gases de efeito estufa do Brasil aumentaram em 80%, o governo defendeu seu apoio ao etanol por motivos ambientais, posicionando a bioenergia como uma “fonte de energia sustentável”. Essa abordagem enquadrou a bioenergia como parte de uma estratégia climática, levando à sua promoção em níveis internacionais para combater as mudanças climáticas.
No entanto, os impactos socioambientais da produção de bioenergia foram amplamente ignorados, incluindo o LUC direto e indireto, a perda de água e biodiversidade, o desmatamento, a poluição por fertilizantes e a erosão do solo.
Em 2017, foi lançada a iniciativa “ Renovabio ” como um novo programa governamental que visa promover o crescimento do setor de bioenergia, com ênfase em vários tipos de biocombustíveis, como biodiesel, biometano, bioetanol e bioquerosene.
Um relatório publicado no periódico Biofuels indica que o programa RenovaBio do Brasil não considera o LUC direto ou indireto em sua calculadora de emissões, o que pode levar a uma superestimação dos níveis de descarbonização e incentivar a produção de biocombustíveis com maiores impactos ambientais. Para garantir que o programa seja ambientalmente eficaz e forneça sinais apropriados aos tomadores de decisão, é crucial incorporar parâmetros de LUC na calculadora.
“A diplomacia do etanol do Brasil visa retratar a nação como consciente do clima, usando o biocombustível como alavanca nas negociações climáticas. Muitos países seguiram o exemplo ‘bem-sucedido’ do Brasil ao integrar a bioenergia em suas políticas climáticas, embora seus custos sociais e ambientais sejam amplamente reconhecidos”, mencionou Morales.
Expansão de biocombustíveis
A Raízen, formada a partir da fusão da Cosan e Shell, juntamente com BP Bunge, Atvos, São Martinho, Tereos, Lincoln Junqueira, Cofco, Coruipe, Adecoagro, Katzen, Millenium, Brasil BioFuels (BBF) e Agropalma, representam algumas das principais empresas de bioenergia in Brazil.
Em outubro, a Katzen International, uma importante empresa de bioetanol, anunciou a conclusão bem-sucedida e o lançamento do projeto de expansão da planta de bioetanol da INPASA Agroindustrial S/A em Sinop, Mato Grosso. Essa expansão impulsionou a capacidade de produção da planta para 2,1 bilhões de litros por ano, estabelecendo-a como a maior instalação de bioetanol de moinho seco à base de grãos do mundo.
A produção de etanol de milho no Brasil deve atingir 7,7 bilhões de litros em 2024/25, o que representa um aumento de 20% em relação aos anos anteriores.
The biofuel industry is making significant investments in the state of Pará. Governor Helder Barbalho has announced plans for a biofuel refinery to be established in the municipality of Redenção, located in the southeastern part of the state. A collaboration between the Mafra Group and Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA), which together comprise Grão Pará Bioenergia, will contribute over $350 million to this project.
“Essas são as agendas que serão desafiadoras para nós: a agenda da floresta, a agenda da produção de energia. São agendas diferentes em que cada uma delas pode apresentar suas soluções”, disse Barbalho .
Junto com a refinaria, um serviço de engorda para gado será fornecido para fazendeiros parceiros, permitindo que eles usem as instalações da refinaria para confinar seus animais. A principal matéria-prima para confinamento de gado será o Dried Distillers Grain (DDG), um subproduto da produção de etanol de milho.
Conflitos
Um relatório da ONG Imazon revelou que o Pará foi responsável por 57% das áreas florestais degradadas na Amazônia. A degradação florestal saltou de 196 km² em setembro de 2023 para 11.558 km² no mesmo mês deste ano – um aumento de quase 60 vezes.
O estado do Pará, que sediará a COP30, é marcado por conflitos, incluindo aqueles relacionados à indústria do óleo de palma. As plantações de palma no Pará cobrem uma área que já foi floresta tropical, aproximadamente 226.834 hectares, quase equivalente ao tamanho de Luxemburgo.
Uma investigação da ONG Global Witness revelou que duas grandes empresas brasileiras de óleo de palma , a Agropalma e a Brasil Biofuels (BBF), estavam envolvidas em conflitos com comunidades locais no estado do Pará. A BBF enfrentou alegações de crimes ambientais e esforços violentos para suprimir comunidades indígenas e tradicionais. Enquanto isso, a Agropalma foi associada a despejos comunitários e grilagem de terras.
Um estudo dos cientistas Lucas Ferrante e Philip Fearnside revelou que empresas de biocombustíveis, como a Millenium Bioenergia, estão estabelecendo uma cadeia de produção de biocombustíveis e produtos alimentícios derivados de monoculturas em terras indígenas da Amazônia e dentro de outras comunidades tradicionais.
A Millenium anunciou planos de “parceria” com comunidades indígenas e tradicionais, propondo trabalho não remunerado para produzir milho, peixe, galinhas, porcos e gado confinado. Essa abordagem não só infringe os direitos humanos, mas também representa um risco de desencadear novas pandemias devido a saltos zoonóticos ligados à degradação ambiental.
O Brasil precisa expandir a produção de biocombustíveis para atender à crescente demanda, o que aumentará as pressões logísticas em todo o país. Críticos para essa expansão são os projetos de infraestrutura, como a construção de rodovias como a BR-319 da Amazônia, conectando Manaus a Porto Velho, e o projeto ferroviário Ferrogrão, ligando Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, situado do outro lado do Rio Tapajós, de Itaituba, no Pará. Esses desenvolvimentos provavelmente causarão degradação ambiental irreversível e afetarão adversamente inúmeras comunidades indígenas e tradicionais nessas áreas.
Morales destacou a posição e as prioridades do governo brasileiro em relação à expansão da produção de biocombustíveis:
“Na política ambiental estrangeira, o governo brasileiro tem sido historicamente relutante em priorizar a proteção ambiental em detrimento do crescimento econômico, frequentemente atribuindo grandes problemas ambientais aos países desenvolvidos. Embora várias administrações tenham feito esforços para abordar desafios ambientais como perda de biodiversidade e mudanças climáticas, essas questões continuam sendo preocupações secundárias, frequentemente vistas como obstáculos a objetivos políticos e econômicos de curto prazo.
“Posicionar a bioenergia como uma estratégia climática justificou efetivamente políticas mais amplas de apoio à indústria de biocombustíveis e contribuiu para a lavagem verde da política climática do Brasil no cenário internacional. Vários países espelharam a abordagem do Brasil, adotando a bioenergia em suas agendas climáticas em resposta”, ele acrescentou.
Fonte: Revista Cenarium